A trajetória nada tradicional de Lucas Debargue
Na recente edição do Concurso Tchaikovsky da Rússia, em julho, um músico se destacou entre as dezenas de candidatos participantes: o pianista francês Lucas Debargue, de 24 anos.
O curioso é que Debargue sequer ficou entre os três primeiros colocados da categoria Piano — o concurso também premia nas categorias violino, violoncelo e voz.
Ele ficou em quarto lugar no seu instrumento, mas ainda assim foi incluído no recital de vencedores, com a presença do presidente Vladimir Putin na plateia. Clique aqui para assistir.
Os jornalistas musicais locais reconheceram o "dom extraordinário, visão artística e liberdade criativa" e lhe outorgaram o Prêmio da Associação de Críticos de Moscou. A atenção da mídia especializada segue apontada para ele.
Seu histórico artístico realmente intriga. Aos 10 anos, pegou por acaso um CD de música clássica para ouvir e se encantou com o segundo movimento do "Concerto N. 21", de Mozart. Em sua casa, ninguém gostava de concertos ou tocava instrumentos— nem no rádio a família ouvia clássicos. Não havia interesse ou recursos para isso. Aquele era o primeiro contato do menino com o repertório da música clássica.
Dos 11 aos 15 anos, começou a tocar piano de forma auto-didata. Um amigo de infância estudava o instrumento e Debargue aprendeu a memorizar músicas e tocar, sem seguir qualquer método ou conhecer técnica.
Largou o instrumento, trabalhou em supermercado e só retomou aos 20 anos, quando recebeu convite para tocar em um evento organizado no seu bairro. Ele tinha voltado a estudar piano, mas sem verdadeiro compromisso. Foi visto por um pianista que, intrigado com tamanho talento, o indicou para a professora russa Rena Shereshevskaya, radicada na França, que dá aulas na Escola de Música Alfred Cortot.
A professora Shereshevskaya encarou o desafio de preparar Lucas Debargue para o Concurso Tchaikovsky em apenas três anos....e sem um piano em casa para estudar (até a época do concurso, ele ainda não tinha o instrumento). Ano passado, Debargue passava o dia estudando para o concurso e tocava em clubes de jazz quase todas as noites, para pagar suas despesas.
Esse "amador sem técnica" — nas palavras do pianista que saiu no meio de uma das provas de Debargue no concurso — chegou à final de uma das mais tradicionais competições do universo dos clássicos sem jamais ter tocado com orquestra e deixou para trás colegas que desde a infância dedicam-se exaustivamente a aprender piano por métodos tradicionais.
Seus pianistas favoritos vêm do jazz e não dos clássicos: Thelonious Monk, Duke Ellington e Errol Garner.
Mais um sinal das mudanças de paradigma na cena dos clássicos.